segunda-feira, 1 de março de 2010

Conexão Boal>>>Oscar com Cineasta Monteiro Júnior







F rancisco Alberto de Brito Monteiro Júnior mais conhecido como Monteiro Júnior, é dos cineastas mais promissores da nova geração,  e esteve presente na primeira edição da Mostra Cultural com o filme “Insone”. Em uma descontraída entrevista presenteou-nos com fotos e depoimentos exclusivos sobre seu primeiro longa-metragem “Dona Maria” que será lançado dia 04 de março às 19h na sala Torquato Neto do Clube dos Diários e sobre o seu quarto livro que sairá ainda este semestre.
Jaque: Carinhosamente os amigos lhe chamam de Júnior. Então Júnior, você é autor de três livros, o primeiro foi “As Sete Vidas do Gato” (1998), seguido de “A Obscuridade Humana” (1999) e “O Confidente” (2003), esses dois últimos todas as edições estão esgotadas. Como foi a experiência de abrir o leque para mais uma linguagem, o cinema?

Júnior: Em primeiro lugar, preciso dizer, num desabafo, que cada vez mais as pessoas estão deixando de me chamar de Júnior para pôr o Monteiro antes, até mesmo amigos e pessoas mais íntimas. Um fato que me entristece, me torna distante de mim mesmo, apesar de saber ser um reconhecimento pelas coisas que faço. A tendência é essa mesmo: o Júnior ser deixado de lado e o Monteiro assumir as rédeas do cavalo. Contudo, sempre me emociono quando alguém me chama de Júnior, às vezes sem querer. E inevitavelmente me sinto nostálgico. É estranho.

Na verdade, quatro livros. “Parágrafo Um”, que escrevi em 2009, já foi adquirido por uma editora daqui e deve ser publicado ainda este semestre. Mas respondendo à pergunta, confesso que foi um passo natural e até mesmo necessário. Depois que “O Confidente” foi publicado, eu achava que precisava fazer uma pausa maior em relação a escrever livros. Na verdade, há tempos não encontrava nenhuma história interessante para o formato. Era angustiante não conseguir criar. Então lidei com minha crise de escritor fazendo um filme pequeno em VHS com uns amigos. “No Meio do Caminho”, o tal filme, foi lançado em 2004 sem muitas pretensões. De repente, eu já estava envolvido com “Insone”, que em 2005 foi o Melhor Vídeo Piauiense no Festvídeo. Aí fiz alguns experimentos com documentário, sendo “A Noite e a Cidade” o mais visto. Logo após “A Noite e a Cidade”, entrei no projeto que viria a ser “Dona Maria”, e agora estou tentando voltar para a literatura. Enfim, eu não controlo muito essa transição da literatura para o cinema e vice-versa. Me parece algo muito espontâneo.

Jaque: Como tem sido o incentivo e a recepção do governo e da sociedade piauiense em relação às pequenas ou grandes produções cinematográficas no nosso Estado? Você que lança seu primeiro longa-metragem.

 Júnior: Sendo direto, no fundo nós ainda não acreditamos que podemos fazer cinema no Piauí. E falo cinema bom, de qualidade, com histórias interessantes e produção caprichada. A verdade, infelizmente, é essa. “Dona Maria” encontrou diversos obstáculos em sua gestação e está longe de ser o tipo de cinema que eu gostaria de fazer, apesar de ter sido uma jornada muito interessante buscar uma estética, mesmo com traço retrô, para um cinema piauiense. É quase um comentário irônico subliminar voltado às pessoas que fazem ou querem fazer arte no nosso Estado. Mas espero que seja um comentário construtivo no sentido de mostrar o quanto ainda podemos fazer e o quanto é possível fazer dentro das nossas limitações.

Jaque:  Bom, já que começamos a falar no seu primeiro longa-metragem, quais são as expectativas para o lançamento do filme “Dona Maria”? 

Júnior: De fato, “Dona Maria” é minha primeira experiência com uma narrativa mais longa. Nesse aspecto, é um filme que expõe todos os seus erros e acertos de um primeiro contato com essa duração (são 70 minutos cravados). O desafio foi ainda maior pelo fato de misturar dois formatos diferentes, a ficção e o documentário, e costurar um diálogo orgânico entre os dois. Então espero que as pessoas percebam isso, essa tentativa de construção de um sentido narrativo, e que se permitam serem tocadas pelas lições passadas nos depoimentos colhidos. É um filme simples, sem grandes pretensões artísticas, mas com muito a mostrar aos jovens, e também aos velhos, sobre a vivência na terceira idade.

Jaque: Foram cinco longos anos de produção, como você fala, e o que “Dona Maria” trás para o público? Como surgiu o pé de ideia do filme e como ele finaliza?

Júnior: De início, “Dona Maria” não foi pensado como um filme propriamente dito. A ideia surgiu como um DVD para a banda Madame Baterflai, isso há mais de cinco anos. Seriam três histórias abordando o universo feminino em diferentes fases da vida que se entrecruzariam numa noite em Teresina enquanto a banda tocava. Esse era o projeto original, no qual “Dona Maria” fazia parte como uma das histórias. Gravamos o segmento da velhice em 2006, em parceria com a ABD/PI, e logo em seguida a produção entrou em colapso nervoso, não conseguia se acertar, culminando no término da Madame Baterflai em 2007.
Tendo recebido patrocínio de diversas instituições, como a prefeitura e a Monsenhor Chaves, eu precisava ter algo para mostrar. Então me foquei no tema velhice, o que tinha gravado, e me dispus a estudar e refletir sobre isso. Levantamos, eu e uma produtora, uma grana e passamos dois meses captando depoimentos de mulheres acerca de suas vivências nessa etapa da vida. Foi uma das experiências mais enriquecedoras que já tive e eu queria passá-la para o público. A edição atravessou o ano de 2008 até nos encontrarmos o tom certo para casar a parte da ficção com a parte do documentário da maneira mais orgânica possível. Como o projeto do filme havia passado por vários computadores diferentes até abril de 2009, finalizá-lo para ser exibido foi uma coisa complicadíssima e muitas vezes desgastante.

Finalmente, a versão final parou em minhas mãos em fevereiro de 2010, completamente diferente do que seria se a ideia original vingasse. Mesmo assim, considero “Dona Maria” um filme especial, e hoje não consigo imaginá-lo de outra forma.

Jaque: Nesses anos todos, o que foi mais difícil? E com que idéia o diretor Monteiro Júnior finaliza “Dona Maria”?

 Júnior: Sem dúvida, o mais difícil foi defender para mim mesmo a existência do filme, não desistir dele, apesar de não ter faltado vontade. Todos sem exceção desistiram do projeto em algum momento. As pessoas seguiam em frente, obviamente, enquanto eu tentava finalizar “Dona Maria” da melhor maneira possível. Cheguei mesmo a acreditar que nunca o veria pronto e ficaria desacreditado para sempre. Eu estava estagnado nisso. E agora posso respirar com aquele alívio gostoso e seguir em frente também. Nesses anos de incertezas que rodearam a feitura do filme, minha insegurança em relação a mim e ao mundo atingiu níveis catastróficos. Com o fim dessa etapa da minha vida, posso me reconstruir e embarcar em novos projetos e sensações. A vida é mesmo uma gigantesca montanha-russa com esses loops doidos.

Jaque: Júnior, você participou da primeira edição da Mostra Cultural em 2009, que fez homenagem ao dramaturgo e embaixador mundial do teatro Augusto Boal com o filme “Insone” e dividiu a mesa redonda com o cineasta Douglas Machado. Como foi participar desse evento?
 
Júnior: Foi ótimo! Eu e Douglas nos conhecemos há uma década, então é sempre confortável participar de eventos assim com ele. Tenho boas recordações desse debate e meu copinho de uísque disfarçado. Além do mais, passar um pouco das nossas experiências diretamente para as pessoas é gratificante. Eventos como esse enriquecem a discussão sobre a produção cultural no Piauí. Espero ser novamente convidado este ano. Irei com todo prazer e levarei “Dona Maria” comigo.

Jaque: Você tem se destacado bastante como crítico de cinema aqui no Piauí, inclusive atualmente voltou a escrever e está postando matérias em um portal. Como tem sido essa experiência?

Júnior: Escrever análises de filmes é algo que faço com prazer desde o final dos anos 90. Já tive colunas semanais em jornais impressos que duraram anos. Entendo melhor um filme depois que escrevo sobre ele, e tento passar isso aos leitores. Mas não são impressões jogadas. Estudo cinema constantemente, escrevo com conhecimento de causa. Preciso falar isso pelo fato de vivermos numa cultura ainda muito presa ao amadorismo. Escrever uma crítica não é jogar “achismos” em formato de texto. É argumentar em cima da teoria. Já vi pessoas comentarem filmes em jornais e internet apenas por ter visto o trailer, sem qualquer embasamento teórico da linguagem cinematográfica. É muito fácil dizer “mise-en-scène”, mas compreendê-la e saber construí-la requer estudo aprofundado e sensibilidade. Eu mesmo a tento decifrar e apreendê-la a cada filme que vejo e faço. É uma aprendizagem inacabável.

Jaque: Júnior, sucesso no lançamento do longa "Dona Maria" e obrigada pela entrevista.


Jaqueline Bezerra


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Um comentário:

  1. Valeu Jaque pela indicação, muito massa o filme.Ainda hoje estou pasmo com essa senhora negra ter 103 anos.

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